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Suco de maçã e diferentes usos na indústria

Tendências de alimentação saudável e redução de desperdícios abrem novas possibilidades para o suco e o bagaço da fruta

De ingrediente para adoçar néctares ao suco integral, fermentados e geleias, o suco e o bagaço de maçã possuem diferentes funções no setor industrial. A seguir, apresentamos diferentes destinos da maçã na indústria, refletindo sobre supostas alternativas mais saudáveis, frutas “imperfeitas” e reaproveitamento de resíduos.

Suco de maçã como adoçante

O grupo das bebidas adoçadas com açúcar, que inclui refrigerantes, bebidas de fruta industrializadas e bebidas energéticas, tipicamente possui baixa qualidade nutricional e representa uma fonte importante de açúcar adicionado nas dietas.

O consumo dessas bebidas tem emergido como fator de risco para ganho de peso e desenvolvimento de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, ao lado de outros elementos que contribuem para epidemias de sobrepeso e de obesidade no mundo.

Com a premissa de tornar as bebidas de fruta industrializadas mais saudáveis, fabricantes de sucos prontos, como néctares, têm utilizado suco de maçã para adoçar as bebidas, substituindo parte do açúcar que seria adicionado ao produto.

Será mesmo uma alternativa mais saudável?

Os açúcares adicionados a alimentos ou bebidas durante o processamento, a preparação ou o consumo são chamados de açúcares livres, grupo que também inclui os açúcares presentes naturalmente no mel, nos xaropes e nas frutas.

Especialmente nas frutas, podem ser encontrados dois tipos de açúcares: a glicose e a frutose. Entre todos os açúcares, a frutose é o mais doce:

Composição e doçura relativa de alguns açúcares

A doçura de cada açúcar é medida em comparação com a do açúcar de mesa, à qual se atribui arbitrariamente o valor de 100.

AçúcarComposiçãoDoçura
Frutose120
Glicose70
Sacarose (açúcar de mesa)100
Maltose45
Lactose40
Xarope de milhoGlicose, maltose30-50
Xarope de milho com alto teor de frutoseFrutose, maltose80-90
Xarope de açúcar invertidoGlicose, frutose, sacarose95
Fonte: Harold McGee. Comida e cozinha: Ciência e cultura da culinária. 2004.

Dessa forma, o suco de maçã, ao ser usado como adoçante, está apenas substituindo um tipo de açúcar por outro, já que, em sua forma concentrada, o suco da fruta é constituído predominantemente por açúcares.

Por parte da indústria, essa é uma estratégia para tornar os produtos agradáveis ao paladar ao mesmo tempo em que podem escrever na embalagem frases como “sem adição de açúcar”.

O que acontece, em realidade, é somente a troca de ingredientes tradicionalmente usados para conferir dulçor (xaropes de milho, glicose, maltodextrina, sacarose) por outro tipo de ingrediente de elevada doçura (o suco de maçã).

Segundo uma fabricante de néctares, o suco de maçã foi escolhido para essa função por ter um sabor bastante doce e por não interferir no resultado final da bebida em termos de cor, sabor e aroma.

Os sucos prontos, assim, continuam sendo bebidas ricas em açúcares e de alta concentração calórica. Enquanto ultraprocessados, podem comprometer os mecanismos que sinalizam a saciedade e controlam o apetite, pois na forma líquida há menos percepção sobre o consumo de calorias. Além disso, não possuem as fibras e os nutrientes de uma fruta in natura.

Tornar um néctar mais saudável teria, portanto, mais relação com os ingredientes que compõem o produto do que com os açúcares em si. Os néctares possuem essa denominação porque contêm de 20% a 30% de polpa da fruta, diferente de um suco integral, que é proveniente somente da fruta e não tem adição de açúcar.

No exemplo de rótulo de néctar de laranja abaixo, o açúcar é o segundo ingrediente mais frequente. Além disso, pode-se ver a presença de diversos aditivos, caracterizando-o como uma bebida ultraprocessada.

Suco de maçã na indústria

A produção de maçãs no Brasil tem como foco o consumo in natura, porém uma parcela das frutas não é considerada de qualidade para esse tipo de comercialização e fica destinada para a indústria.

As frutas descartadas para o consumo in natura apresentam características como formato “ruim”, tamanhos “impróprios”, manchas e cicatrizes. Tal preferência do mercado e dos consumidores por frutas “perfeitas” é responsável por grande desperdício de alimentos no mundo.

As maçãs “imperfeitas”, como no exemplo acima, costumavam ser usadas para alimentação animal, porém o aumento da produção no Brasil e no mundo foi despertando interesse das indústrias processadoras de suco, que viram oportunidade de agregar valor a elas.

Os principais destinos das maçãs são para o processamento de suco clarificado e concentrado. As frutas de qualidade inferior podem ser encaminhadas para fermentação, dando origem a sidra, vinagre e destilados.

O suco integral de maçã, especialmente, tem ganhado espaço no mercado por não ter açúcar adicionado, conforme a sua definição, e por possuir propriedades sensoriais e nutricionais mais próximas da fruta in natura.

Suco integral de maçã produzido no Laboratório de Inovação Enológica da Embrapa Uva e Vinho. Imagem: Viviane Zanella
Bagaço de maçã

Além do suco de maçã, o bagaço da fruta também é utilizado na indústria como uma das principais fontes de pectinas, substâncias que, devido a suas propriedades, são capazes de formar géis.

Isso explica a importância das pectinas na indústria alimentícia, empregadas na produção de doces, geleias, bebidas e sucos de frutas concentrados, produtos lácteos, confeitados, entre outros.

O bagaço de maçã contém todas as partes da fruta, como cascas, sementes e polpa. Na produção comercial, a descoberta do seu potencial de uso e aplicação aconteceu na década de 1930. Até então, o bagaço era descartado, considerado apenas um resíduo da produção de suco de maçã. A partir daí, tornou-se também matéria-prima.

Bagaço de maçã. Imagem: Gilles Tran/AFZ
Produção e consumo no Brasil

A produção de maçãs no Brasil está concentrada na Região Sul, onde foi implantada no início da década de 1970. A maior parte da produção é de dois cultivares: Gala e Fuji. Duas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF), realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008-2009 e 2017-2018, apontam a maçã entre as frutas mais adquiridas nos domicílios brasileiros.

O infográfico do G1 traz mais informações sobre o cultivo da fruta no Brasil:

Seguindo a comemoração do Dia Internacional da Maçã, em 21 de outubro, confira no nosso blog mais informações sobre a fruta e uma receita de compota de maçã.

Segue o material de referência

Malik VS, Hu FB. The role of sugar-sweetened beverages in the global epidemics of obesity and chronic diseases. Nat Rev Endocrinol. 2022;18:205-218. https://doi.org/10.1038/s41574-021-00627-6

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McGee, H. Comida e cozinha: Ciência e cultura da culinária. 2. ed. Nova Iorque: Scribner Book Company; 2004.

Brasil. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.

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Girardi CL, Zandoná GP. Parâmetros tecnológicos para produção de suco integral de maçã. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2020. https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/215921/1/Doc-118.pdf

Canteri MHG, Moreno L, Wosiacki G, Scheer AP. Pectina: da matéria-prima ao produto final. Polímeros. 2012;22(2):149-157. https://doi.org/10.1590/S0104-14282012005000024

Fertonani HCR. Estabelecimento de um modelo de extração ácida de pectina de bagaço de maçã [dissertação]. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa; 2006. https://tede2.uepg.br/jspui/bitstream/prefix/694/1/FERTONANIH.pdf

Oliveira N, Santin F, Paraizo TR, Sampaio JP, Moura-Nunes N, Canella DS. Baixa variedade na disponibilidade domiciliar de frutas e hortaliças no Brasil: dados das POF 2008-2009 e 2017-2018. Ciênc. Saúde Colet. 2021;26(11):5805-5816. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.25862020