Em 2020, ano de início da pandemia de Covid-19, cresceu no mundo o número de pessoas que passaram fome e que não tiveram acesso a uma alimentação adequada em comparação com o ano anterior.
No Brasil, dados de 2021 e 2022 mostram que há 125,2 milhões de pessoas residentes em domicílios com insegurança alimentar, estando 33 milhões em situação de fome.
Os números brasileiros revelam que a exposição à fome é maior na população negra, em famílias com renda inferior a um salário mínimo e em famílias chefiadas por mulheres. Além disso, houve aumento expressivo da insegurança alimentar nos domicílios com crianças de até 10 anos de idade.
Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), o cenário da fome no Brasil está relacionado com um quadro de deterioração socioeconômica e de profundas desigualdades sociais, agravado pela pandemia de Covid-19.
A PENSSAN define os seguintes conceitos como:
- Insegurança alimentar (IA): “condição de não ter acesso pleno e permanente a alimentos”
- IA leve: “incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e/ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida”
- IA moderada: “quantidade insuficiente de alimentos”
- IA grave: “privação no consumo de alimentos e fome”
Dessa forma, o contexto de pandemia, somado a outras questões globais e locais (mudanças climáticas, conflitos, crises econômicas), não pode ser desvinculado dos problemas alimentares que persistem e que se acentuaram globalmente.
Trazer visibilidade para a natureza e para as dimensões desses problemas é exatamente o intuito do Dia Mundial da Alimentação (DMA). A data foi criada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e é comemorada anualmente em 16 de outubro.
Para 2022, o tema escolhido para o DMA é “Leave NO ONE behind” – na tradução livre, “não deixar ninguém para trás”. Segundo a FAO, a expressão remete aos grupos que vivem às margens do desenvolvimento humano, tecnológico e econômico, ou sem acesso aos benefícios promovidos por ele.
A expressão também reconhece o paradoxo existente entre a prevalência da insegurança alimentar no mundo e o fato de que existe, hoje, capacidade produtiva para alimentar todo o planeta.
Além disso, a Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que os altos custos e a persistência da pobreza e da desigualdade de renda no mundo fazem com que 3 bilhões de pessoas não tenham acesso a dietas saudáveis. Não ter dinheiro para consumir alimentos saudáveis também está relacionado com a manutenção da insegurança alimentar.
Outra preocupação para o cenário global da alimentação é a desnutrição em suas diferentes formas, incluindo nanismo e caquexia, além do sobrepeso, da obesidade e da relação de hábitos alimentares não saudáveis com o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. No caso da obesidade, existe, atualmente, uma tendência de aumento da prevalência entre adultos sem perspectiva de queda.
O momento é oportuno para resgatar esses desafios globais porque justamente uma das finalidades do Dia Mundial da Alimentação é buscar soluções efetivas para os problemas alimentares no mundo e para garantir alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para todos, de forma sustentável.
Um documento de 2021 publicado pela FAO cita caminhos possíveis a serem seguidos, como ampliar a resiliência climática em todos os sistemas alimentares (o que engloba a capacidade de poder se antecipar, se preparar e se adaptar frente às mudanças climáticas) e intervir nas cadeias de abastecimento para reduzir o custo de alimentos saudáveis.
Algo interessante do DMA, porém, é ir além e trazer o debate para o nível local, de forma a adaptar as soluções para as realidades e as práticas culturais de cada comunidade. Por isso, é interessante o envolvimento de diferentes grupos e instituições nas comemorações do 16 de outubro.
Confira a programação do DMA de 2022 na Faculdade de Saúde Pública da USP: https://www.fsp.usp.br/site/noticias/mostra/38304
Segue o material de referência
Coelho, Ana Íris Mendes et al. Dia Mundial da Alimentação: duas décadas no combate aos problemas alimentares mundiais. Revista de Nutrição [online]. 2005, v. 18, n. 3 [Acessado 12 Outubro 2022] , pp. 401-418. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1415-52732005000300012>.
FAO. World Food Day. Disponível em: https://www.fao.org/world-food-day/en
FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2021. The State of Food Security and Nutrition in the World 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition and affordable healthy diets for all. Rome, FAO. https://doi.org/10.4060/cb4474en
Olhe para a fome. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/
Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (REDE PENSSAN). II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil [livro eletrônico]: II VIGISAN: relatório final/Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar – PENSSAN. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert/Rede PENSSAN, 2022. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf