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“Renda para quem produz e comida na mesa de quem precisa”: o Programa de Aquisição de Alimentos

Política pública cria incentivo à agricultura familiar e para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional

A criação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), instituído em 2003, veio como fruto de dois debates importantes para o Brasil na década de 1990. De um lado, o combate à fome e a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional1 para a população brasileira. Do outro, a inserção da agricultura familiar nas políticas públicas do Estado, reconhecendo sua importância econômica, social e ambiental.

O PAA contempla essas duas frentes ao prever que o governo compre e distribua alimentos da agricultura familiar para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, além de favorecer outros grupos. Outra possibilidade do Programa é adquirir os gêneros alimentícios com o objetivo de sustentar os preços e formar estoques.

Investir na agricultura familiar é uma forma de apoiar um modelo de produção de alimentos com mais diversidade produtiva e preservação dos recursos naturais, capaz de favorecer a geração de trabalho e renda no meio rural e de ampliar o acesso a alimentos saudáveis.

A agricultura familiar produz 70% dos alimentos que são consumidos no Brasil, segundo o Censo Agropecuário de 2006. Assim, ela é um vetor de grande relevância para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional no país. O gráfico abaixo ilustra a participação significativa dos pequenos estabelecimentos brasileiros na produção de alimentos.

Mitidiero Junior et al. (2018)

Os agricultores familiares representam uma categoria bastante heterogênea, e mais especialmente no Brasil, onde há predomínio de diferentes influências por região: da tradição negra e indígena no Norte e no Nordeste, da tradição europeia no Sul e no Sudeste, e da presença japonesa nos cinturões das grandes cidades.

Para definir os grupos que podem ser alvo das políticas públicas para agricultura familiar, o decreto nº 9.064, de 31/05/2017, estabelece requisitos quanto a: tamanho da área detida (pequeno porte), tipo de mão-de-obra predominante (familiar), fonte de renda (pelo menos 50% proveniente das atividades econômicas do estabelecimento ou empreendimento) e responsabilidade da gestão (estritamente familiar).

Através das compras governamentais de alimentos, o PAA garante que os agricultores familiares estejam inseridos em cadeias produtivas, o que promove sua inclusão econômica e social.

Esse impacto positivo do Programa foi observado na cidade de Guarulhos em estudo publicado em 2017. Ao mesmo tempo, foram identificados dois desafios do PAA naquele município: fornecer formação e assistência técnica aos agricultores familiares (que almeja, por exemplo, uma produção orgânica e agroecológica), e criar maior proximidade entre os gestores do PAA e os agricultores, conhecendo melhor seus entraves e seus potenciais.

“Se o campo não planta, a cidade não janta!”. São Luís (MA), 2016. Imagem: Lia de Paula/MDS
Mudanças

Ao longo dos seus vinte anos de existência, o PAA não esteve imune às mudanças no cenário político. Especialmente na última década, evidencia-se o seu enfraquecimento, muito devido ao crescimento de agendas que favorecem o agronegócio em detrimento da agricultura familiar.

Frente à pandemia de Covid-19, o PAA foi considerado uma política estratégica que, caso fortalecida, poderia minimizar os impactos econômicos e sociais da crise sanitária, buscando a promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável em um contexto de agravamento de vulnerabilidades sociais.

Alimentos fornecidos por agricultores familiares de Brazlândia seguem para o Banco de Alimentos do Distrito Federal. Brasília (DF), 2013. Imagem: Sérgio Amaral/MDS

Em 2021, no entanto, o PAA foi revogado e criou-se, em seu lugar, o Programa Alimenta Brasil, o que representou intenso desmonte: menor financiamento, menos apoio institucional, mais burocracia, dificultando o acesso, e ausência de participação social.

Com a mudança de governo em 2023, o PAA foi restituído, assim como o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e a Caisan (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional), reativados em fevereiro.

Linha do tempo do Programa de Aquisição de Alimentos

(1) A Segurança Alimentar e Nutricional é definida pela Lei nº 11.346, de 15/09/2006, como a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.

Segue o material de referência

Azarias E, Mattos R. Consea e Conicq: o retorno dos espaços de discussão de políticas. Bolg ACT. 13 mar 2023. https://blog.actbr.org.br/noticias/consea-e-conicq-o-retorno-dos-espacos-de-discussao-de-politicas/3858

Gurgel AM, Santos CCS, Alves KPS, Araujo JM, Leal VS. Estratégias governamentais para a garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável no enfrentamento à pandemia de Covid-19 no Brasil. Ciênc saúde coletiva. 2020;25(12):4945-56. https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.33912020

Macedo AC. Desmonte do PAA: efeitos na vulnerabilidade social da agricultura familiar [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Agrícola; 2022. https://hdl.handle.net/20.500.12733/4711

Mitidiero Junior MA, Barbosa HJN, Sá TH. Quem produz comida para os brasileiros? 10 anos do Censo Agropecuário 2006. RP. 2018;18(3):7-77. https://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/view/5540

Sambuichi RHR, Almeida AFCS, Perin G, Spínola PAC, Pella AFC. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como estratégia de enfrentamento aos desafios da COVID-19. Rev Adm Pública. 2020;54(4):1079-96. https://doi.org/10.1590/0034-761220200258

Sicoli JL. As contribuições do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para o fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública; 2017. doi:10.11606/T.6.2017.tde-16102017-135334. https://teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6138/tde-16102017-135334/pt-br.php

Texto: Helena Mega