A criação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), instituído em 2003, veio como fruto de dois debates importantes para o Brasil na década de 1990. De um lado, o combate à fome e a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional1 para a população brasileira. Do outro, a inserção da agricultura familiar nas políticas públicas do Estado, reconhecendo sua importância econômica, social e ambiental.
O PAA contempla essas duas frentes ao prever que o governo compre e distribua alimentos da agricultura familiar para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, além de favorecer outros grupos. Outra possibilidade do Programa é adquirir os gêneros alimentícios com o objetivo de sustentar os preços e formar estoques.
Investir na agricultura familiar é uma forma de apoiar um modelo de produção de alimentos com mais diversidade produtiva e preservação dos recursos naturais, capaz de favorecer a geração de trabalho e renda no meio rural e de ampliar o acesso a alimentos saudáveis.
A agricultura familiar produz 70% dos alimentos que são consumidos no Brasil, segundo o Censo Agropecuário de 2006. Assim, ela é um vetor de grande relevância para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional no país. O gráfico abaixo ilustra a participação significativa dos pequenos estabelecimentos brasileiros na produção de alimentos.
Os agricultores familiares representam uma categoria bastante heterogênea, e mais especialmente no Brasil, onde há predomínio de diferentes influências por região: da tradição negra e indígena no Norte e no Nordeste, da tradição europeia no Sul e no Sudeste, e da presença japonesa nos cinturões das grandes cidades.
Para definir os grupos que podem ser alvo das políticas públicas para agricultura familiar, o decreto nº 9.064, de 31/05/2017, estabelece requisitos quanto a: tamanho da área detida (pequeno porte), tipo de mão-de-obra predominante (familiar), fonte de renda (pelo menos 50% proveniente das atividades econômicas do estabelecimento ou empreendimento) e responsabilidade da gestão (estritamente familiar).
Através das compras governamentais de alimentos, o PAA garante que os agricultores familiares estejam inseridos em cadeias produtivas, o que promove sua inclusão econômica e social.
Esse impacto positivo do Programa foi observado na cidade de Guarulhos em estudo publicado em 2017. Ao mesmo tempo, foram identificados dois desafios do PAA naquele município: fornecer formação e assistência técnica aos agricultores familiares (que almeja, por exemplo, uma produção orgânica e agroecológica), e criar maior proximidade entre os gestores do PAA e os agricultores, conhecendo melhor seus entraves e seus potenciais.
Mudanças
Ao longo dos seus vinte anos de existência, o PAA não esteve imune às mudanças no cenário político. Especialmente na última década, evidencia-se o seu enfraquecimento, muito devido ao crescimento de agendas que favorecem o agronegócio em detrimento da agricultura familiar.
Frente à pandemia de Covid-19, o PAA foi considerado uma política estratégica que, caso fortalecida, poderia minimizar os impactos econômicos e sociais da crise sanitária, buscando a promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável em um contexto de agravamento de vulnerabilidades sociais.
Em 2021, no entanto, o PAA foi revogado e criou-se, em seu lugar, o Programa Alimenta Brasil, o que representou intenso desmonte: menor financiamento, menos apoio institucional, mais burocracia, dificultando o acesso, e ausência de participação social.
Com a mudança de governo em 2023, o PAA foi restituído, assim como o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e a Caisan (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional), reativados em fevereiro.
Linha do tempo do Programa de Aquisição de Alimentos
- 2003: instituído pelo Art. 19 da Lei nº 10.696, de 02/07/03
- 2011 e 2012: regulamentado pela Lei nº 12.512, de 14/10/2011, e pelo Decreto nº 7.775, de 04/07/2012
- 2021: revogado e substituído pelo Programa Alimenta Brasil: Medida Provisória n° 1.061, de 09/08/2021, Decreto nº 10.880, de 02/12/2021 e Lei 14.284, de 29/12/2021
- 2023: instituído novamente pelo Decreto nº 11.476, de 06/04/2023
(1) A Segurança Alimentar e Nutricional é definida pela Lei nº 11.346, de 15/09/2006, como a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.
Segue o material de referência
Azarias E, Mattos R. Consea e Conicq: o retorno dos espaços de discussão de políticas. Bolg ACT. 13 mar 2023. https://blog.actbr.org.br/noticias/consea-e-conicq-o-retorno-dos-espacos-de-discussao-de-politicas/3858
Gurgel AM, Santos CCS, Alves KPS, Araujo JM, Leal VS. Estratégias governamentais para a garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável no enfrentamento à pandemia de Covid-19 no Brasil. Ciênc saúde coletiva. 2020;25(12):4945-56. https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.33912020
Macedo AC. Desmonte do PAA: efeitos na vulnerabilidade social da agricultura familiar [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Agrícola; 2022. https://hdl.handle.net/20.500.12733/4711
Mitidiero Junior MA, Barbosa HJN, Sá TH. Quem produz comida para os brasileiros? 10 anos do Censo Agropecuário 2006. RP. 2018;18(3):7-77. https://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/view/5540
Sambuichi RHR, Almeida AFCS, Perin G, Spínola PAC, Pella AFC. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como estratégia de enfrentamento aos desafios da COVID-19. Rev Adm Pública. 2020;54(4):1079-96. https://doi.org/10.1590/0034-761220200258
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Texto: Helena Mega