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Cacau, da Amazônia para o mundo

Tradicional entre povos pré-colombianos, bebida do fruto se popularizou na Europa, onde séculos depois surge a barra de chocolate

O chocolate conquistou o mundo, mas será que o mundo sabe que sua origem está nas sementes do cacau, fruto nativo da Amazônia? Ou que, por muitos séculos, o chocolate foi consumido na forma de bebida?

Foi na região da América Central e do México que os povos originários trouxeram a inovação de cultivar e domesticar o cacau. Eles fermentavam as sementes do fruto para o preparo de uma bebida amarga, chamada pelos astecas de chocolatl ou cacahuatl. Desse termo deriva a palavra chocolate.

O nome cacau tem ligação com kakawa, termo que os maias e os astecas teriam herdado dos olmecas. Já o nome científico do cacaueiro é Theobroma cacao, e a primeira parte significa “alimento dos deuses”, conforme foi nomeado por Carlos Lineu, em 1753.

A polpa do cacau tem sabor agradável para a produção de sucos e geleias, porém a principal matéria-prima são suas sementes, também chamadas de amêndoas de cacau. Imagem: Amuzujoe, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Não se sabe ao certo como o cacaueiro, nativo da Amazônia, chegou até a região central das Américas, porém ali se tornou parte integrante da cultura e da economia, ao ponto em que suas sementes eram usadas como moeda, tendo sido uma das mais valiosas commodities entre povos pré-colombianos.

Os maias e os astecas adicionavam diferentes especiarias ao preparo da bebida “chocolate”, como flores aromáticas, baunilha, pimenta e mel. Eles secavam, misturavam e trituravam as especiarias junto às sementes de cacau para formar uma pasta. Essa pasta era dissolvida em água, e a bebida podia ser consumida fria ou quente.

Gravura representa povos originários do México fazendo chocolate. Imagem reproduzida no livro “Cocoa and chocolate, a short history of their production and use” (1907)

A colonização espanhola nas Américas apresentou o cacau e as variações de sua bebida aos europeus, que, por sua vez, introduziram outros sabores à pasta de cacau, como açúcar, canela, cravo, anis, amêndoas e avelãs.

Por volta de 1580, são construídas na Espanha as primeiras “fábricas” da pasta de cacau com especiarias. Outras fábricas começam a surgir em países como Itália (1600), Inglaterra (1657), Alemanha (1756) e França (1776). A preferência europeia ficou pelos sabores de açúcar e baunilha, em detrimento das demais combinações.

Durante os séculos XVII e XVIII, o chocolate era conhecido na Europa quase que exclusivamente na forma de bebida, e o uso na confeitaria ainda era bastante limitado. Os europeus acreditavam que o chocolate tinha propriedades nutritivas, medicinais e até afrodisíacas, porém o seu consumo permanecia um privilégio da realeza e dos mais ricos.

“The Chocolate Girl”, de Jean-Étienne Liotard. Imagem: Public domain, via Wikimedia Commons

Em 1828, Conrad van Houten, na Holanda, buscava um modo de tornar o chocolate quente uma bebida mais leve, com menos gordurosa. Desenvolveu, então, uma técnica para retirar parte da gordura das sementes de cacau, tendo como resultado o chocolate em pó, que se tornou um sucesso desde então.

O subproduto desse método era a manteiga de cacau, que viria a ser importante para outra inovação: a barra de chocolate moderna. Por si só, a pasta de cacau tinha uma textura grosseira e quebradiça. Descobriu-se então que a manteiga de cacau podia ser misturada à pasta de cacau, mais açúcar, para fazer uma pasta moldável e de textura mais suave. Assim, em 1847, na Inglaterra, é introduzido o primeiro chocolate sólido, feito pela companhia Fry and Sons.

Pôster da companhia inglesa J.S. Fry & Sons, a primeira a produzir uma barra de chocolate industrial. Imagem: Bristol Museums, Galleries and Archives

Na Suíça, outros avanços técnicos permitem que o chocolate sólido se tornasse mais atrativo. Em 1876, surge a primeira barra de chocolate ao leite. Ela foi produzida por Daniel Peter, que utilizou um ingrediente novo: o leite em pó, desenvolvido por Henri Nestlé. A mistura de leite com chocolate foi interessante não só pela combinação dos sabores, mas também para deixar o chocolate mais suave.

Também na Suíça, Rodolphe Lindt cria, em 1878, a conchagem, um processo lento de mistura dos grãos de cacau moídos com açúcar e leite em pó. A conchagem permitiu que se chegasse a uma consistência fina e macia que não havia sido alcançada antes, e que hoje relacionamos a qualquer barra de chocolate.

Máquina de conchagem. Imagem: Lindt/Reprodução

A partir do século XX, chocolate torna-se sinônimo de doces que, frequentemente, possuem mais açúcar do que qualquer outro ingrediente. Também é comum a presença de aditivos alimentares, como aromatizantes e emulsificantes. Atualmente, o regulamento técnico brasileiro define como chocolate produtos que contenham, no mínimo, 25% de sólidos totais de cacau.

Imagem: Marcos Santos/USP Imagens
Cacau e chocolate no Brasil

De início, no Brasil, o consumo do cacau ficava restrito a povos indígenas da região amazônica. Um dos relatos é de que utilizavam os frutos triturados, peneirados e misturados com água, servido de acompanhamento para outros alimentos.

O consumo de chocolate também começou de forma restrita no Brasil, sem a mesma popularidade que havia conquistado na Europa. Bebia-se o chocolate importado misturado com leite de gado, açúcar e gema de ovo.

A produção de cacau no Brasil começou a se estruturar no sul da Bahia, onde o cacaueiro se adaptou bem ao clima. As primeiras sementes chegaram a Canavieiras em 1746, e a Ilhéus, em 1752. A disseminação do cultivo e o aumento das exportações foram estimulados pelo crescimento do consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos.

Hoje, a Bahia permanece com destaque pelas suas áreas de cultivo, mas foi recentemente ultrapassada pelo Pará em volume de produção. Um forte impacto para a cacauicultura baiana foi o alastramento da doença vassoura-de-bruxa a partir 1989.

Em 2019, segundo a International Cocoa Organization, o Brasil foi o sétimo maior produtor de cacau do mundo. Estão na frente países da África, onde o cultivo foi introduzido pelo imperialismo europeu.

O cacaueiro cresce espalhado pela floresta, preferencialmente na sombra de outras plantas e árvores. O fruto jovem é verde, e ganha coloração amarela conforme vai amadurecendo. Imagem: Claudio Bezerra Melo/Embrapa

No vídeo, explicamos o processo de produção do chocolate e mostramos diferenças entre produtos que são vendidos no supermercado.

Compartilhamos também uma sugestão de receita com chocolate.

Segue o material de referência

Castleden K, Williams E. Oxford University Plants 400: Theobroma cacao L. https://herbaria.plants.ox.ac.uk/bol/plants400/Profiles/ST/Theo

Fiegl A. A Brief History of Chocolate. Smithsonian Magazine. 01 mar 2008. https://www.smithsonianmag.com/arts-culture/a-brief-history-of-chocolate-21860917/

Henderson JS, Joyce RA, Hall GR, Hurst WJ, McGovern PE. Chemical and archaeological evidence for the earliest cacao beverages. Proc Natl Acad Sci U S A. 2007;104(48):18937-40. https://doi.org/10.1073/pnas.0708815104

Hernandes GMC, Efraim P, Silva ARA, Queiroz GC. Carbon footprint of Brazilian cocoa produced in Pará state. Braz J Food Technol. 2022;25:e2020263. https://doi.org/10.1590/1981-6723.26320

Landau EC, Silva GA, Moura L. Evolução da Produção de Cacau (Theobroma cacao, Malvaceae). In: Dinâmica da produção agropecuária e da paisagem natural no Brasil nas últimas décadas: produtos de origem vegetal. Brasília, DF: Embrapa, 2020. v. 2, p. 529-555.

McGee H. Comida e cozinha: Ciência e cultura da culinária. 2. ed. Nova Iorque: Scribner Book Company; 2004.

Moon P. História genética do cacau no Brasil é descrita. Agência Fapesp. 11 jan 2017. https://agencia.fapesp.br/historia-genetica-do-cacau-no-brasil-e-descrita/24594/

Texto: Helena Mega