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Diabetes: o papel dos nutricionistas no cuidado

Relação entre hábitos alimentares e diabetes traz protagonismo aos nutricionistas no acompanhamento dos pacientes; entenda mais sobre essa dinâmica no SUS

Os nutricionistas possuem uma atuação central no tratamento de quem vive com diabetes. Na Atenção Básica à Saúde, além do acompanhamento clínico individual, as ações educativas e o trabalho em equipe são grandes aliados na promoção do cuidado.

Entendendo a doença

Seguindo as definições da Federação Internacional de Diabetes (IDF), diabetes é uma doença crônica que ocorre a partir de dois cenários: quando o pâncreas não consegue produzir insulina, ou então quando o corpo não é capaz de utilizar bem a insulina que produz. A insulina é um hormônio que atua como intermédio para que o açúcar (glicose) que está no sangue consiga entrar nas células e ser usado na produção de energia.

De forma persistente, o excesso de açúcar no sangue (hiperglicemia), seja por falta de insulina ou pela sua ação deficiente, pode causar diversas complicações de saúde, como doenças que afetam o sistema cardiovascular, os rins e os olhos.

Segundo a IDF, cerca de 90% dos casos de diabetes no mundo são do tipo 2, aquele em que o corpo desenvolve resistência à insulina, perdendo resposta ao seu efeito e provocando episódios de hiperglicemia. O tipo 1 é caracterizado pela pouca ou nenhuma produção de insulina pelo organismo. Existe também a diabetes gestacional, um quadro de hiperglicemia durante a gestação que costuma se reverter posteriormente.

A alimentação tem relação direta com alguns fatores que interferem na prevenção e no controle de diabetes: excesso de peso, dislipidemia (aumento de gordura no sangue), mau controle glicêmico (referente à quantidade de açúcar no sangue) e manutenção de hábitos alimentares não saudáveis. Atuar sobre esses fatores também é uma maneira de evitar ou retardar o desenvolvimento de complicações associadas à doença.

Para viver bem com diabetes é preciso controlar os níveis de açúcar no sangue, o que é feito a partir da alimentação, da prática de atividade física regular e, quando necessário, do uso de medicamentos. Isso significa saber escolher o que comer, quando comer e em qual quantidade.

“Mais de 50% dos casos de diabetes tipo 2 podem ser prevenidos. Pessoas vivendo com diabetes, ou com risco de desenvolver a doença, precisam de acesso a alimentos saudáveis e a lugares para se exercitar. Se não agora, quando?” – Campanha do Dia Mundial de Diabetes 2022
Nutricionistas e linha de cuidado no SUS

Pensando na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS), os nutricionistas são grandes interlocutores na promoção do cuidado para diabetes. Essa interlocução acontece tanto dentro das equipes multiprofissionais quanto no contato com a população.

Tendo como exemplo o estado de São Paulo, a linha de cuidado prevê, idealmente, que pessoas com diabetes sejam acompanhadas por diferentes profissionais da saúde: médicos, enfermeiros, nutricionistas, educadores físicos, psicólogos, entre outros.

É importante que os médicos e enfermeiros saibam identificar fatores de risco relacionados à alimentação e que possam oferecer orientações sobre alimentação saudável, fazendo o encaminhamento para o profissional de nutrição.

A prescrição de dietas, indicando os alimentos a serem consumidos por refeição e suas quantidades, é uma atribuição dos nutricionistas, os mais habilitados para fazer esse planejamento com base no contexto de cada paciente: sua rotina, cultura alimentar, preferências, aversões e restrições alimentares.

A partir das recomendações do nutricionista, os demais profissionais da equipe podem ajudar a motivar os pacientes a seguirem as orientações nutricionais e fazer pontes de diálogo. Os exemplos a seguir mostram cenários em que essa integração de equipe pode ocorrer.

“Às vezes o paciente tem dificuldades e fica com vergonha de dizer ao nutricionista, mas consegue falar para um agente comunitário de saúde, com quem tem afinidade construída”, diz a professora Paula Ângela D’Oliveira Araújo Rossi, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Nesse caso, o agente comunitário consegue transmitir a informação ao nutricionista da unidade, que vai então repensar a abordagem adotada.

A professora Paula também cita o caso de uma nutricionista que se uniu às equipes de Estratégia Saúde da Família para fazer uma busca ativa no território e agendar consultas para pessoas com diabetes. “Ela tinha conhecimento de que naquela área viviam várias pessoas com diabetes e que não procuravam esse cuidado”, comenta.

No manejo clínico, a integração do nutricionista com a equipe médica e da farmácia é bem-vinda, especialmente para reforçar a necessidade de seguir com a medicação, mesmo em casos de boa adesão ao cuidado nutricional e de bom controle glicêmico.

Educação em saúde

Uma parte fundamental do tratamento de diabetes são as ações educativas, tanto para multiplicar as informações de cuidado dentro das equipes multiprofissionais, como para transmitir conhecimentos à comunidade, como os pacientes e seus familiares.

Em 2022, esse foi justamente o tema adotado na campanha do Dia Mundial de Diabetes: “Educação para proteger o amanhã”. A frase salienta um dos objetivos da educação em saúde sobre diabetes, que é promover o autocuidado, de modo que os pacientes dominem conhecimentos sobre a doença e possam adaptar seus estilos de vida ao cuidado.

Na dinâmica da Atenção Básica, as ações educativas podem acontecer em diversos ambientes – domicílios, escolas, unidades de saúde, outros equipamentos sociais –, de forma coletiva ou individual.

No documento norteador da linha de cuidado de diabetes no estado de São Paulo, há exemplos de temas a serem abordados com a população:

  • Orientação sobre os grupos alimentares, respeitando hábitos e condições econômicas;
  • Efeito dos macronutrientes na glicemia e no peso;
  • Importância dos macro e micronutrientes na alimentação;
  • Noções de nutrição saudável;
  • Esclarecimento sobre o conceito de índice glicêmico;
  • Interpretação dos rótulos de alimentos;
  • Solicitação de auxílio da família para enfatizar a reeducação alimentar e evitar riscos, com redução do acesso aos alimentos não recomendados, principalmente na clientela infantojuvenil;
  • Orientação sobre o fracionamento da dieta diária e variação do cardápio com lista substitutiva para evitar monotonia alimentar.
Grupo de Apoio ao Diabetes em uma Unidade Básica de Saúde. Imagem: Prefeitura de Sorocaba
Desafios

Os desafios dos nutricionistas para conduzir o cuidado de quem vive com diabetes aparecem em diferentes momentos, desde antes do diagnóstico até a adesão ao tratamento, conforme explica a professora Paula.

Na fase da pré-diabetes, nem sempre é possível reverter o quadro de hiperglicemia e evitar o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Neste contexto, podem ser encaminhados para primeira consulta tendo sofrido pressões para a seguirem metas rigorosas, com pouco tempo para a adesão. “Precisamos, juntamente com os pacientes, alinhar as expectativas, porque, por mais que existam boas intenções de seguir o tratamento, cada corpo vai responder de uma forma”, diz a professora.

Uma vez fechado o diagnóstico de diabetes, o papel dos nutricionistas deve ser acolher bem o paciente, sem culpabilizá-lo pelo diagnóstico; reafirmar que é uma condição crônica, que o cuidado é para o resto da vida, mas que o profissional sempre seguirá junto para orientá-lo.

Durante o acompanhamento, existe a importância estabelecer um vínculo de confiança com os pacientes, de forma que fiquem confortáveis para dizer se conseguiram ou não seguir as recomendações, sem que sintam necessidade de, durante o autorrelato de ingestão alimentar, ocultar informações.

Há também pacientes que não enxergam inadequações no próprio consumo alimentar, e o desafio é mostrar a importância do cuidado.

“1 a cada 9 pessoas terão diabetes em 2030. Isso trará mais pressão para os profissionais de saúde oferecerem o melhor cuidado disponível. O quão atualizado está o seu conhecimento?” – Campanha do Dia Mundial de Diabetes 2022
Segue o material de referência

Brasil. Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: diabetes mellitus. Brasília: 2013. (Cadernos de Atenção Básica, n. 36) http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_36.pdf

International Diabetes Federation. What is diabetes. 07 jul. 2022. https://idf.org/aboutdiabetes/what-is-diabetes.html

National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases. Diabetes Diet, Eating, & Physical Activity. https://www.niddk.nih.gov/health-information/diabetes/overview/diet-eating-physical-activity

Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Linha de Cuidado Diabetes Mellitus – Manejo na Unidade de Saúde. 2018. https://www.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/gestor/atencao-basica/linha-de-cuidado-ses-sp/diabetes-mellitus/manejo_unidade_saude_diabetes_mellitus.pdf

Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Linha de Cuidado Diabetes Mellitus – Manual de Orientação Clínica. 2018. 2ª ed. https://www.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/gestor/atencao-basica/linha-de-cuidado-ses-sp/diabetes-mellitus/manual_de_orientacao_clinica_diabetes_mellitus.pdf