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Mandioca: celebrando a cultura alimentar brasileira

Conheça mais sobre a mandioca, uma planta originária da Amazônia e que é matéria-prima para diversos produtos utilizados no dia a dia do brasileiro e para alguns nem tão conhecidos

Conheça mais sobre a mandioca, uma planta originária da Amazônia e que é matéria-prima para diversos produtos utilizados no dia a dia do brasileiro e para alguns produtos não tão conhecidos

Abril pode ser considerado o mês mais importante em celebrações ligadas à alimentação originária brasileira. No dia 19 de abril festeja-se o “Dia dos Povos Indígenas”, povos estes que deixaram heranças culinárias e gastronômicas valiosas à nossa alimentação moderna, e em seguida há duas datas comemorativas que envolvem as fontes essenciais de amido do Brasil atual: a mandioca, celebrada em 21 de abril e o milho, celebrado no dia 24.

Apesar de o milho ser mais associado como alimento base de civilizações pré-colombianas, os registros existentes em períodos mais remotos da colonização do Brasil permitem concluir que a vida neste país dependia tanto do milho quanto da mandioca.

Na disputa de narrativas culturais, houve, porém, o estabelecimento de espaços de preferência alimentar no território, formando-se a “cozinha caipira”, nos arredores da Paulistânia (Capitania de São Vicente e, a partir de 1720, Capitania de São Paulo) e a cozinha da mandioca, na região amazônica e na população ribeirinha e, conclui-se que  a mandioca triunfou e se destacou como alimento símbolo de nossa cultura.

Apesar de considerarmos a essencialidade tanto da mandioca quanto do milho para a alimentação do povo brasileiro, este post será focado nela, a rainha do Brasil: a mandioca!

Imagem: Codevasf/Flickr

Suas principais espécies são a mandioca-brava ou a mandioca-mansa, também conhecida como aipim ou macaxeira. A primeira possui esse nome em razão de sua alta concentração de ácido cianídrico, que a torna tóxica ao consumo, no entanto, após o correto processamento (cozimento, secagem, etc), pode ser ingerida na forma de produtos como farinha e polvilho, razão pela qual esta também é a mandioca mais utilizada na indústria para tais fabricações, deixando a mandioca-mansa para venda e consumo in natura.

Além de ser um alimento originário daqui, esta raiz é extremamente versátil e pode ser usada tanto em preparações salgadas como escondidinho, vaca atolada, como em preparações doces como bolo e pudim. Somado ao uso da própria raiz “in natura”, há uma infinidade de derivados que talvez até nem sejam todos eles conhecidos pela maioria da população. 

Vaca atolada
Vaca atolada
Imagem: Simplus Menegati/Wikimedia Commons

Aqui é necessário fazer um adendo: embora as nomenclaturas usadas neste texto sejam retiradas de literatura gastronômica, os alimentos podem ter nomes variados dependendo da cultura local, como é o caso da puba que também é chamada carimã e da tapioca que em alguns lugares é conhecida como beiju de tapioca.

Uma primeira possível divisão de seus produtos consiste naqueles feitos com a mandioca crua e naqueles feitos com a mandioca fermentada. No primeiro caso é possível extrair as farinhas secas e bijusadas, a massa da mandioca, a tiquira, a goma, o polvilho e o tucupi; da mandioca fermentada (ou pubada) é possível extrair a farinha d’água, a massa puba e a farinha de carimã.

Para produção das farinhas secas, a raiz é lavada, descascada e processada ou ralada, prensada, peneirada e seca. Pode ser torrada ou não e o tamanho do grão pode variar, gerando farinhas finas, médias ou grossas. Algumas regiões brasileiras, ao longo do tempo, se especializaram na produção de farinhas de mandioca e, em razão de sua alta qualidade, passaram a ser reconhecidas com sua indicação geográfica, como é o caso da farinha de Cruzeiro e da farinha de copioba.

Farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul
Imagem: IHC,Acervo/Embrapa

A farinha bijusada, por sua vez, tem modo de preparo semelhante ao da seca, porém antes da secagem, ainda com a massa úmida, passa por um processo de laminação para que se formem flocos. 

A massa espremida e ainda úmida pode ser usada para fazer bolos como a bijajica e beijus de massa.

Tanto o polvilho quanto o tucupi são retirados do líquido que sai da prensa da mandioca crua e ralada. Esta extração pode ser feita com maquinário como uma prensa hidráulica ou de forma manual, espremendo a massa úmida da raiz em um pano. Uma outra opção também bastante utilizada, especialmente nas comunidades indígenas, é o instrumento chamado tipiti, que é uma espécie de espremedor de palha trançada.

Tipiti
Imagem: Hans Denis Schneider/Flickr

O líquido retirado da massa úmida (chamado de manipueira ou manicuera) é colocado para decantar e na parte inferior será extraída a goma. A goma jogada em uma chapa quente coagula em grânulos e produz a farinha de tapioca e, se seca e esferificada, gera o sagu. A tapioca (ou beiju de tapioca) também é feita a partir da goma hidratada e peneirada.

Sagu de vinho
Imagem: Scheridon/Wikimedia Commons
Farinha de tapioca flocada
Imagem: Ronaldo Rosa/Embrapa

A goma seca ao sol produz o polvilho que pode ser o doce, que é seco logo após a separação entre líquido e sólido. Este tipo de polvilho é mais “grudento” que o polvilho azedo.

Se a manicuera for deixada para fermentar, será produzida uma goma fermentada que, depois de seca ao sol, gerará o polvilho azedo, ingrediente utilizado nas receitas de biscoito de polvilho e pão de queijo.

Com a separação do líquido do amido decantado, ele será temperado e cozido por horas para formar o tucupi. Este caldo fermenta após o armazenamento e é um dos ingredientes para a famosa receita nortista de tacacá, que além do tucupi usa também a goma da mandioca.

Tucupi
Imagem: Ronaldo Rosa/Embrapa
Tacacá
Imagem: Rubens Kato/ divulgação

Derivado do tucupi, há, ainda, o tucupi preto que consiste na redução do caldo amarelo pela fervura que resulta em um líquido denso, com consistência de xarope

Os produtos da raiz fermentada são todos retirados da massa ralada e espremida. Após o processo de pubagem, a mandioca está bastante amolecida e não precisa de muito esforço para esfarelar com as mãos.

Essa massa fermentada e úmida é conhecida como carimã ou massa puba e é utilizada na produção de bolos como o Souza Leão, típico de Pernambuco.

Bolo Souza Leão
Imagem: Chico Bezerra/Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes

A massa puba seca ao sol e peneirada dá origem à farinha de carimã que pode ser usada para fazer bolo e engrossar mingaus.

A massa fermentada e peneirada, levada a tachos para ser torrada, dará origem às chamadas farinhas d’água, mais ácidas que as farinhas secas, em razão da fermentação da mandioca. Assim como as farinhas secas, existem farinhas d’água que possuem indicação geográfica, como é o caso da farinha de Uarini (também conhecida como ovinha) e a farinha de Bragança.

Farinha d’água
Imagem: Ronaldo Rosa/Embrapa

Se você achava que só a raiz da mandioca era aproveitada para a alimentação humana, estava enganado! A folha da mandioca, após a fervura, trituração e exposição ao vento  para retirada das toxinas, é conhecida como maniva e pode ser consumida. A maniva é o ingrediente principal da maniçoba, um ensopado que utiliza também carnes de porco e é consumido com arroz branco e farinha d’água.

Maniçoba
Imagem: Bruna Brandão – MTUR/Flickr

Depois de toda essa trajetória pela mandioca e seus produtos, dá pra entender como esta planta virou símbolo da alimentação brasileira, já que é utilizada de forma integral e origina centenas de receitas diferentes. Viva a mandioca!

Referências

BONI, A. P. Os descendentes da mandioca. Paladar Estadão. Disponivel em: <https://infograficos.estadao.com.br/paladar/os-descendentes-da-mandioca/#glossario>. Acesso em: 15 abril 2023.

CASCUDO, L. D. C. História da Alimentação no Brasil. 4ª. ed. São Paulo: Global, 2011.

CONHEÇA o tipiti, tecnologia indígena de uso secular na Amazônia. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Disponivel em: <https://mamiraua.org.br/noticias/tipiti-o-que-e-artefato-indigena-amazonia#:~:text=Como%20funciona,letal%20para%20o%20ser%20humano>. Acesso em: 15 abril 2023.

DÓRIA, C. A. O milho na alimentação brasileira. 1ª. ed. São Paulo: Alameda, 2021.

ENTENDA como funciona o processo de produção da tiquira. Observatório SEBRAE-MA. Disponivel em: <https://observatorio.sebraema.com/entenda-como-funciona-o-processo-de-producao-da-tiquira/>. Acesso em: 15 abril 2023.

FARINHA de mandioca, tipos de farinha de mandioca. Cozinha Técnica. Disponivel em: <https://www.cozinhatecnica.com/2021/05/farinha-de-mandioca-tipos-de-farinha-de-mandioca/#:~:text=O%20processo%20de%20produ%C3%A7%C3%A3o%20da,em%20fina%2C%20m%C3%A9dia%20e%20grossa>. Acesso em: 15 Abril 2023.

TRAJANO, A. L. Misture a gosto: glossário de ingredientes do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 2015.