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Aula aberta sobre o PL 1904/24 debate o direito reprodutivo e a questão das meninas vítimas de violência sexual

Prof. Jefferson Drezett, em palestra durante a aula aberta “Descriminalizar é preciso”, que debateu o PL 1904/2024.

Na tarde do dia 24 de junho, a comunidade acadêmica da FSP-USP se mobilizou no Auditório Paula Souza para debater o PL 1904/2024, na aula aberta “Descriminalizar é Preciso”. O Projeto de Lei, que tramitou em regime de urgência a pedido do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, passou a ser chamado de “PL do estupro”, por prever uma pena maior para a mulher que aborta após as 22 semanas de gestação, do que a do próprio estuprador.

A legislação brasileira atual permite o aborto, independente da idade gestacional, em três situações: estupro, risco de morte para a gestante e anencefalia fetal, condição incompatível com a vida após o nascimento. Em São Paulo, a Prefeitura suspendeu em dezembro de 2023 a oferta desse serviço no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, único no Estado de São Paulo que realizava a interrupção da gravidez após as 22 semanas de gestação.

O professor Jefferson Drezett, do Departamento de Saúde e Sociedade da FSP-USP, trouxe em sua palestra diversos dados sobre estupro no Brasil. Em 2022, o Brasil registrou 65.569 estupros de mulheres e meninas, o maior número da história. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2023, 48.921 (74,6%) das vítimas foram meninas menores de 14 anos de idade. O professor Jefferson aponta que, em casos de estupro de vulnerável, é muito frequente que a gravidez só seja identificada em estágio muito avançado, seja porque a violência é realizada por familiares dentro da própria casa, seja por conta das características físicas de uma pessoa dessa idade, ou por conta da dificuldade da criança em revelar os abusos.

A professora Cristiane Cabral, do mesmo departamento, destacou que o PL 1904/2024 é mais uma iniciativa do Congresso Nacional de legislar a favor de pessoas que cometem o crime de estupro. Para ela, a proposta se alinha a outras existentes nas duas últimas décadas, dentre elas o Estatuto do Nascituro, além de se inserir num contexto nacional e internacional de restrição de direitos reprodutivos de pessoas que gestam. A professora destacou a forte associação dessa iniciativa com outras da denominada “bancada da Bíblia”, a qual atua fortemente contrária a pactos civilizatórios de direitos humanos, segundo a professora.

A professora Simone Grilo Diniz, também do Departamento de Saúde e Sociedade, explica que o dever dos profissionais dos serviços de saúde que recebem esses casos é indicar que o aborto legal é uma opção, o que muitas vezes acaba não acontecendo.

A professora Fátima Marinho, da Universidade Federal de Minas Gerais, também convidada do evento, mostrou que entre 2011 e 2021, mais de 127 mil meninas menores de 14 anos se tornaram mães. Tendo em vista a idade, a professora afirma que esses casos indicam a ocorrência de estupro de vulnerável, segundo a legislação, sinalizando que elas não tiveram acesso ao aborto que lhe é garantido nesses casos.

A professora Ana Flávia d´Oliveira, da Faculdade de Medicina (FMUSP), e Ana Luiza Viela Borges, docente da Escola de Enfermagem (EEUSP), destacaram a importância de haver nos cursos da área da saúde, sobretudo medicina e enfermagem, a formação voltada ao acolhimento adequado de casos de gestações indesejadas, sobretudo as decorrentes de violência sexual. O tema foi reforçado pela professora Deisy Ventura, do Departamento de Saúde Ambiental da FSP, que destacou o respeito ao direito de meninas, mulheres e pessoas que gestam quanto a sua autonomia reprodutiva e a importância de não obrigá-las a se tornarem mães pela força de resoluções ou leis anacrônicas do Estado.

As palestrantes reforçaram a urgência em garantir, ao menos, o que está previsto no Código Penal desde 1940 e rechaçaram toda e qualquer iniciativa, seja do poder legislativo, executivo, judiciário ou órgão como o Conselho Federal de Medicina, em dificultar o acesso ao aborto legal no país.