Nova pesquisa do Nupens indica que fazer refeições sem companhia ou com distrações pode levar a uma maior ingestão de alimentos ultraprocessados

Comensalidade: compartilhar refeições com outras pessoas e comer com atenção são ações que podem influenciar positivamente a qualidade da dieta| Foto: Rawpixel

Manter uma alimentação adequada e saudável depende de uma série de fatores, que vão desde o acesso à comida in natura ou minimamente processada até a informação sobre os produtos alimentícios consumidos, passando pela escolha do que colocamos no prato. A escolha, por si só, também é um processo complexo — e sofre grande influência de como e com quem comemos.

Em 2014, o Guia Alimentar para a População Brasileira já trazia reflexões sobre o conceito de comensalidade, ou seja, sobre o ato de comer para além da simples ingestão de alimentos. O documento tem três recomendações básicas: comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e em companhia.

Essas recomendações, agora, têm ainda mais embasamentos científicos. Uma pesquisa do Nupens publicada em outubro na revista científica Appetite mostrou que comer sozinho, em frente à TV ou fora de casa pode levar a uma piora na qualidade da dieta.

A análise foi feita por Bianca Onita, bolsista de iniciação científica, e comandada por Fernanda Rauber, pesquisadora do Nupens.

O estudo

As autoras trabalharam com dados da pesquisa nacional de nutrição do Reino Unido, analisando os hábitos alimentares de mais de 1700 crianças com idade entre quatro e dez anos. A ideia era cruzar informações sobre como as crianças comem (em casa, na escola, com a família, com amigos) e o que comem, com base nos quatro grupos da classificação NOVA de alimentos.

O resultado mostrou como o ambiente alimentar influencia na qualidade das refeições. Entre as crianças com menos hábito de comer com a família em frente à TV, por exemplo, 64,9% das calorias ingeridas são de alimentos ultraprocessados. Quando este hábito é maior, a proporção de ultraprocessados sobre para 68,1% das calorias.

O mesmo efeito é percebido nas crianças que comem fora de casa (indo de 65,2% a 67,7%) e naquelas que costumam comer sozinhas em seus quartos (de 63,9% a 66,5%). A qualidade da dieta melhora quando o comportamento é o de comer com os amigos na escola (queda de 66,6% para 64,7%).

“Apesar de serem diferenças pequenas, é importante levar em consideração a já elevada participação de ultraprocessados na dieta das crianças britânicas, e que os hábitos formados na infância tendem a permanecer na fase adulta”, diz Onita.

Ela lembra que há uma série de evidências científicas que demonstram a associação entre o alto consumo de alimentos ultraprocessados e desfechos negativos de saúde — o que é visto com clareza no caso do Reino Unido, que tem altos índices de obesidade.

Comensalidade no Brasil

Com uma forte tradição de hábitos alimentares — a exemplo do bom e velho arroz com feijão —, o Brasil mantém cerca de 70% da sua dieta baseada em preparações caseiras com alimentos in natura ou minimamente processados, o que não ocorre no Reino Unido. Ainda assim, o consumo de produtos ultraprocessados tem aumentado.

Para Onita, apesar da cultura alimentar estabelecida, é preciso ter atenção às mudanças no ambiente. “Os ultraprocessados têm características intrínsecas, como a onipresença, o marketing, a hiperpalatabilidade e a promessa de praticidade”, diz. “Estes fatores abraçam um estilo de vida em um contexto de anseio por alimentos rápidos e práticos, e têm influência nos cenários alimentares.”

Veja a íntegra do estudo (em inglês).