Em junho, São Paulo recebeu o Congresso Internacional de Obesidade (ICO 2024), organizado pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) e World Obesity. A programação científica do evento contou com uma participação expressiva de pesquisadores do Nupens/USP, que contribuíram para as discussões sobre a obesidade a partir da perspectiva da saúde e das políticas públicas.
Maria Laura Louzada, pesquisadora do Nupens/USP, participou da comissão científica do Congresso, e afirmou que a aproximação entre o Núcleo e a ABESO é importante para apoiar a discussão interdisciplinar e multissetorial sobre a obesidade no Brasil e no mundo. “Esse foi o congresso organizado pela ABESO em que tivemos mais participação do campo da saúde pública e políticas públicas, e ficamos muito satisfeitos com o diálogo entre os pesquisadores de diferentes países, com ênfase naqueles que, como nós, são do sul global”, comentou.
Além da presença de Carlos Monteiro na conferência de abertura – que foi marcada pelo encontro entre o epidemiologista brasileiro e o norte-americano Kevin Hall, no dia 26 de junho – os pesquisadores do Nupens/USP participaram de sessões sobre temas diversos, como sistemas de saúde, políticas públicas e custo econômico da obesidade.
Políticas públicas e controle da epidemia de obesidade
“A epidemia de obesidade é singular e deve ter tratamento prioritário, mas não há solução única e isolada, temos que pensar a partir dos dispositivos que o SUS tem para promover saúde para a população brasileira”, destacou Patrícia Jaime, coordenadora do Nupens/USP, durante a sessão “Obesidade: uma abordagem dos sistemas de saúde”, em 27 de junho. “Os serviços de saúde têm responsabilidade parcial, já que cabe também medidas reguladoras, como é o caso do novo marco da rotulagem de alimentos, estabelecido pela Anvisa”, acrescentou.
Já no dia 29, Jaime apresentou o Guia Alimentar para a População Brasileira, em uma mesa com Juan Rivera (México) e Mary R. L‘abbé (Canadá). O Guia brasileiro, publicado em 2014, foi inovador porque é o primeiro baseado na classificação Nova de alimentos, e traz como regra de outro que as pessoas evitem ultraprocessados. O documento foi construído pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Nupens/USP, e com apoio da OPAS/OMS.
“Tivemos mais de 4 mil contribuições ao texto do Guia Alimentar para a População Brasileira, consideramos uma validação política, social e técnica. O setor saúde foi o principal condutor do debate, o que ajudou a evitar conflito de interesses”, contou a pesquisadora. Ela reforçou as tecnologias desenvolvidas a partir do Guia, como o curso QualiGuia, e a indução de políticas públicas – como o decreto recente que proíbe ultraprocessados na Cesta Básica Nacional: “A ciência é a prática são importantes, mas não são suficientes. É necessário comprometimento político para as ações de segurança alimentar e nutricional”, disse.
Tanto México quanto Canadá têm Guias Alimentares inspirados no modelo brasileiro. Juan Rivera afirmou que os três países têm diretrizes alimentares que contemplam “saúde, sustentabilidade, equidade e cultura”. Já Mary L’abbé comentou que o Brasil “abriu as portas” para a elaboração do Guia canadense.
Ainda na perspectiva das políticas públicas para o controle da obesidade, Maria Laura Louzada abordou o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), durante a sessão “Impostos, rotulagem e avanço na agenda de políticas alimentares para a obesidade”, em 27/6. O programa tem como algumas de suas diretrizes a oferta de alimentação saudável – que respeite cultura, tradições e hábitos saudáveis – , participação e controle social, suporte ao desenvolvimento de pequenos agricultores, e a inserção de conteúdo sobre alimentação saudável no currículo.
“O PNAE beneficia toda a sociedade: promove melhor saúde e performance escolar para crianças, gera renda para pequenos agricultores , e fortalece um sistema alimentar mais saudável”, afirmou. Participaram da atividade Barry Popkin (EUA) e Camila Corvalan (Chile), e a coordenação foi de Boyd Swinburn (Nova Zelândia).
Ultraprocessados e obesidade
Louzada também participou de uma mesa sobre consumo de ultraprocessados e obesidade, juntamente com Simon Barquera (México) e Camila Corvalan, coordenada por Carlos Monteiro. A pesquisadora explicou que, no Brasil, a ingestão dos produtos ultraprocessados ainda é maior na população branca, mas houve um aumento importante nas populações preta e parda, e entre os povos indígenas.
“Há alguns fatores que colaboram para o aumento ao acesso físico e financeiro aos ultraprocessados: em 1995, por exemplo, o preço era maior que dos alimentos in natura e minimamente processados. Hoje, já temos evidências de que os alimentos ultraprocessados estão mais baratos. Também há uma substituição dos locais tradicionais de compra se alimentos – feiras, mercadinhos, sacolões – por grandes redes de mercados”, explicou.
Ela reforçou, no entanto, que temos resistência: “Nossa forte cultura alimentar é repleta de alimentos in natura e pouco processados. E disputamos a narrativa. Temos dados que indicam que o termo ‘ultraprocessado’ aumentou expressivamente nos últimos anos, nos maiores jornais brasileiros”.
Custo econômico da obesidade
Leandro Rezende (Unifesp) e Rafael Claro (UFMG) foram convidados em uma sessão do Ministério da Saúde, mediada por Renata Levy (USP), todos do Nupens/USP. Apresentaram dados indicando o agravamento da pandemia de obesidade entre pessoas com menor renda e menor escolaridade no Brasil: segundo os pesquisadores, a previsão é que, até 2030, as capitais do Brasil terão prevalência de obesidade maiores que 25%.
Em uma sessão sobre o custo econômico da obesidade, Rezende afirmou que “Quase 30% das doenças cardiovasculares são atribuíveis ao excesso de peso e obesidade no Brasil. O gasto público especialmente com esse tipo de agravo é 289 milhões de dólares por ano”.
Já Eduardo Nilson (Fiocruz/Brasília), que coordenou um estudo sobre custos da obesidade infantojuvenil, apresentou dados que demonstram que os custos totais atribuíveis à obesidade nesses grupos é de R$213 milhões na última década (2013-2022). “A hospitalização de crianças e adolescentes – em casos em que a obesidade é registrada como causa primária – totalizou em 5 milhões ao SUS. Mas nosso estudo mostra justamente a invisibilidade da obesidade como causa de internação, pois ela é também fator de risco para muitas outras doenças”, contou. Leia matéria, em inglês, sobre a mesa.
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