Apesar das robustas evidências científicas sobre os impactos negativos da produção e consumo de alimentos ultraprocessados na saúde humana e planetária, o tema não tem sido tratado com a necessária urgência na Cúpula de Sistemas Alimentares das Nações Unidas. O evento internacional vai discutir pontos críticos de sistemas alimentares em setembro de 2021, com foco na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Para pedir à ONU que o tema “alimentos ultraprocessados” seja tratado com a devida relevância nas discussões, mais de 80 cientistas e atores estratégicos brasileiros se reuniram em um evento organizado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) e pela Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis, ambos da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). O encontro contou com a presença de cientistas como Carlos Monteiro (coordenador do Nupens), Tereza Campello (ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e atual professora titular da Cátedra) e José Graziano da Silva (ex-diretor geral da FAO, atual diretor do Instituto Fome Zero).

A reunião gerou um texto-síntese das dezenas de evidências científicas sobre o poder nocivo dos ultraprocessados e as soluções para a tradução dessas evidências em políticas públicas efetivas. O documento, que será lançado em um evento na próxima 5ª (24), será enviado a atores-chave da Cúpula da ONU. Entre eles, António Guterres, Secretário-Geral da ONU, e Agnes Kalibata, enviada especial da Secretaria Geral da ONU para a Cúpula e presidente da Aliança por uma Revolução Verde na África (Agra). O documento também será enviado para representantes da sociedade civil, que estão se mobilizando e organizando um contra-evento à Cúpula.

“É cada vez mais clara a relação entre alimentos ultraprocessados e um maior risco de desenvolvimento de doenças crônicas como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares”, diz Carlos Monteiro. “É imprescindível que o tema seja debatido na Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU.”

Para além disso, a produção de alimentos ultraprocessados demanda um número reduzido de cultivos (principalmente soja, milho, trigo e cana-de-açúcar), contribuindo portanto para a redução da agrobiodiversidade, e envolve grande consumo de água, combustíveis fósseis, fertilizantes e agrotóxicos. “Os impactos dos alimentos ultraprocessados no meio ambiente e no clima vêm sendo negligenciados nos debates internacionais”, comenta Tereza Campello. “Este texto produzido coletivamente, com base na ciência, demonstra a urgência de ação para a regulação da indústria de alimentos, e é uma ferramenta estratégica para pautar a agenda de ultraprocessados tanto na Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, quanto na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26) e na Conferência de Biodiversidade. Não podemos continuar alimentando a ilusão de que a indústria vai se autoregular.”

 

Evento de lançamento

Para o lançamento do documento, a Cátedra Josué de Castro e o Nupens organizaram o webinar “Diálogo sobre ultraprocessados: soluções para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis.” O evento acontecerá na quinta-feira, 24 de junho, às 17 horas. A abertura do evento será realizada por Tereza Campello e a mediação ficará a cargo da jornalista Maria Carolina Trevisan, do UOL. Na mesa, Carlos Monteiro e Ana Paula Bortoletto (Cátedra Josué de Castro e Nupens) comentarão as principais mensagens do documento. A transmissão será realizada pelo canal do YouTube da Faculdade de Saúde Pública/USP.

 

O documento

Dividido em seis tópicos, o documento explora as evidências científicas sobre os impactos dos ultraprocessados na saúde humana e por quais mecanismos estes produtos elevam o risco de desenvolvimento de doenças. O texto mostra, ainda, como a produção e o consumo destes alimentos afetam o planeta.

Além disso, a síntese traz, de forma detalhada, três soluções globais necessárias para o enfrentamento do problema: a elaboração de guia alimentares que abordem os malefícios dos ultraprocessados, a produção de uma rotulagem de alimentos clara para o consumidor e a regulação de ambientes alimentares (onde ocorrem compra e venda de produtos alimentícios).

Além de ser enviado a atores chave da Cúpula, o documento também será apresentado em discussões sobre as agendas necessárias para a construção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis em discussão internacionalmente. Ao longo de 2021, três eventos globais estão pautando a agenda de sistemas alimentares, incluindo a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26) e a Conferência de Biodiversidade.

 

A Cúpula

A Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU foi anunciada no Fórum Econômico Mundial, em 2019, pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em reconhecimento da urgência em tornar os atuais sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis.

O evento tem como princípios o compromisso dos participantes em honrar a visão e os objetivos do encontro, reconhecer a complexidade da agenda de sistemas alimentares, adotar postura de inclusão de todos os atores envolvidos e construir confiança mútua para que haja consenso e para que as decisões sejam implementadas em diferentes níveis.

Em março de 2020, o Mecanismo da Sociedade Civil (CSM), que reúne mais de 500 grupos da sociedade civil, enviou uma carta a Guterres explicitando a preocupação com conflitos de interesses na Cúpula. Posteriormente, o CSM fez um chamado para que outros movimentos da sociedade civil se envolvessem no debate.