Se, por um lado, o consumo de alimentos de origem vegetal está associado a uma menor chance de doenças cardiovasculares, por outro, ingerir produtos à base de plantas  ultraprocessados está associado a um risco maior para os mesmos agravos. 

É o que indica uma pesquisa inédita publicada na Lancet Regional Health – Europe, em 10 de junho. A análise é a primeira em larga escala a considerar, simultaneamente, o nível de processamento industrial de alimentos e fontes alimentares (vegetal versus animal) na avaliação do risco de doenças cardiovasculares. 

O estudo foi desenvolvido por cientistas associados à Faculdade de Medicina e ao Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, Imperial College London e Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), com financiamento do  World Cancer Research Fund.

Alimentos de origem vegetal versus origem animal

Os pesquisadores utilizaram informações coletadas no estudo de coorte UK Biobank, que reuniu  participantes da Inglaterra, Escócia e País de Gales. Mais de 118 mil participantes, com idades entre 40 e 69 anos, tiveram sua alimentação avaliada em pelo menos dois dias. Os dados foram vinculados a registros hospitalares e de mortalidade, a fim de obter informações sobre doenças cardiovasculares. 

Para a categorização entre alimentos de origem vegetal/animal, os cientistas consideraram como alimentos à base de plantas todos aqueles compostos exclusivamente ou principalmente por origem vegetal (por exemplo, frutas, vegetais, grãos, pães, bolos e doces, bebidas adoçadas); Já os alimentos de origem animal incluíram todas as carnes (peixes, aves, carnes vermelhas etc.), laticínios e ovos.

Esses dois grupos foram divididos em alimentos não-ultraprocessados (alimentos in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários processados e alimentos processados) e alimentos ultraprocessados, conforme definido pela classificação Nova de alimentos.

Resultados

Os achados indicam que o consumo de alimentos de origem vegetal não ultraprocessados está inversamente relacionado ao risco de doenças cardiovasculares, enquanto a ingestão de alimentos de origem vegetal ultraprocessados é associada ao risco aumentado.

Fernanda Rauber, pesquisadora vinculada ao Nupens e à Faculdade de Medicina da USP , é a primeira autora da nova publicação, e afirma que, embora já existam evidências dos efeitos adversos dos alimentos ultraprocessados à saúde, o estudo é o primeiro a mostrar que os ultraprocessados de origem vegetal estão relacionados ao aumento do risco de doenças cardiovasculares.

“Apesar de serem de origem vegetal, esses alimentos podem contribuir para fatores de risco como dislipidemia e hipertensão devido à sua composição e métodos de processamento. Aditivos alimentares e contaminantes industriais presentes nesses alimentos podem causar estresse oxidativo e inflamação, agravando ainda mais os riscos. Portanto, nossos resultados apoiam a mudança para escolhas alimentares de origem vegetal que considerem o grau de processamento para melhorar os desfechos de saúde cardiovascular”, conclui Rauber. 

Os dados indicam que a substituição de alimentos de origem vegetal ultraprocessados por alimentos  de origem vegetal não-ultraprocessados representa um risco 7% menor de desenvolver doenças cardiovasculares, e 15% menor na mortalidade associada a esse tipo de agravo. 

Além disso,  um aumento de 10% do consumo de alimentos de origem vegetal  não-ultraprocessados foi associado a uma redução de 7% no risco de doenças cardiovasculares, com diminuição de 8% especialmente em casos de doença coronariana. Em contraste,a ingestão de alimentos de origem vegetal ultraprocessados foi associada a um aumento no risco de ambos os desfechos.

O aumento de 10% do consumo de alimentos de origem vegetal não-ultraprocessados também  foi associado a redução de 13% na mortalidade por todas as doenças cardiovasculares, com uma redução de 20% na mortalidade causada por doença coronariana.

Os cientistas também descobriram  que o consumo de todos os alimentos ultraprocessados juntos foi associado ao maior risco de desenvolver  doenças cardiovasculares, bem como a maior mortalidade por essas doenças. Por outro lado, o consumo de todos os alimentos à base de plantas juntos não mostrou associação com nenhuma das doenças associadas.

É preciso evitar ultraprocessados

A partir das evidências encontradas, os pesquisadores defendem que as diretrizes nutricionais que incentivam dietas baseadas em alimentos de origem vegetal devem focar não apenas na diminuição do consumo de carne e outros alimentos derivados de produtos de origem animal, mas também na importância de evitar todos os alimentos ultraprocessados.

“O estudo buscou preencher a lacuna nas evidências sobre o consumo de alimentos ultraprocessados de origem vegetal e seus impactos, especialmente no que diz respeito às doenças cardiovasculares. Pesquisas como essa são essenciais para orientar tanto as políticas públicas quanto os indivíduos. Consumir produtos de origem vegetal pode ser benéfico, atuando como proteção contra problemas de saúde, ou pode representar um risco – tudo depende do nível de processamento desses alimentos.”, afirmou Renata Levy, pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP e do Nupens/USP.

Eszter Vamos, também autora do estudo e vinculada à  Escola de Saúde Pública da Imperial College London, disse que os alimentos de origem vegetal, como frutas, cereais  e leguminosas, “têm importantes benefícios para a saúde e o meio ambiente, e embora os alimentos de origem vegetal ultraprocessados ​​sejam frequentemente comercializados como alimentos saudáveis, este grande estudo mostra que esse tipo de produto não têm efeitos positivos para a saúde, e estão associados a doenças”. 

Já Julia Panina, do World Cancer Research Fund, afirmou que “Estamos orgulhosos de ter financiado esta importante pesquisa sobre alimentos de origem vegetal e animal ultraprocessados e alimentos não ultraprocessados, e suas associações com o risco de doenças crônicas. Uma das nossas recomendações é seguir uma dieta composta por mais alimentos à base de plantas, não ultraprocessados. Esta pesquisa mostra que isso trará benefícios à saúde, além da redução do risco de câncer”.

Além disso, Panina afirmou que a fundação pretende financiar mais pesquisas sobre alimentos ultraprocessados, que possam ajudar a informar as pessoas sobre como fazer escolhas mais saudáveis. 

O que são ultraprocessados? 

Os ultraprocessados são alimentos submetidos a múltiplos processos industriais, como a fragmentação das substâncias (por exemplo, isolar proteínas) e modificações químicas (tal qual adição de  aditivos cosméticos para alterar cor, aroma, sabor e textura). São formulados para serem gostosos (hiper-palatáveis) e práticos –  não exigem tempo de preparo. Evidências convincentes associam o consumo de alimentos  ultraprocessados a  mais de 32 agravos à saúde humana, incluindo morte precoce, câncer, doenças cardíacas e respiratórias, obesidade e depressão.