O que estamos comendo: comida (de verdade) ou nutrientes?

Por Caroline Zani e Gesiê Castro, nutricionistas

Talvez você nunca tenha parado para refletir sobre a nossa tendência atual de reduzir os alimentos em nutrientes e a alimentação em “dietas nutricionalmente balanceadas”, algo que é frisado em diversos guias alimentares pelo mundo. A isso chamamos de “nutricionismo” – ideologia que influencia a nossa maneira de se relacionar com o alimento.

A ciência da Nutrição tem se caracterizado pelo estudo de nutrientes e composição bioquímica de alimentos, a qual associa os alimentos à saúde/doenças. Nesta perspectiva, os alimentos são classificados em “bons” ou “ruins”, “milagrosos”, “funcionais” ou simplesmente desprezados, determinando o momento na escolha de alimentos. Um grande exemplo disso é o ovo, que já foi demonizado e atualmente aparenta ser mais valorizado, única e exclusivamente devido ao seu perfil nutricional, hora tido como perigoso, hora como ótimo.

O nutricionismo, disseminado principalmente pela Ciência de Tecnologia de Alimentos e Nutrição, estabelece uma estratégia notável de comercialização e, infelizmente, poucos têm questionado esta situação. A abordagem reducionista da alimentação causa confusões na população, uma vez que a recomendação de nutrientes está em mudança constante.

A solução é resgatar o nosso relacionamento com a comida. Pensando nisso, o Ministério da Saúde elaborou no ano de 2014 o “Guia Alimentar para a População Brasileira”, um documento inovador e reconhecido internacionalmente, que ressalta em sua recomendação outros aspectos da alimentação, como a dimensão cultural, a valorização de preparações culinárias e o sistema de produção sustentável.

O Guia Alimentar facilita as escolhas alimentares ao se fundamentar na natureza do alimento, ou seja, o quão natural o alimento/bebida é, assim como enfatiza o padrão tradicional de alimentação. O material incentiva-nos a preferir alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a ultraprocessados.

  • In natura: alimentos obtidos de planta ou animal sem alteração. Exemplo: frutas, verduras, legumes, carnes, ovos.
  • Minimamente processados: alimentos in natura que sofreram alterações mínimas. Exemplo: arroz, feijão, farinhas (trigo, mandioca, milho), leite pasteurizado.
  • Ultraprocessados: nesses produtos são utilizados substâncias como “cosméticos”, para conferir características artificiais, pelo fato de não serem comida de verdade, e sim produtos alimentícios.

Apesar de nos encontrarmos em um ambiente fortemente influenciado pela Indústria de Alimentos, que oferece saídas tentadoras para a falta de tempo e praticidade, como alimentos e refeições prontos para consumo, é essencial entender a importância de se priorizar a comida caseira e escolhas mais naturais na alimentação no nosso dia a dia.

O Brasil possui uma cultura alimentar muito rica e diversificada, construída por cada região e sua população. É necessário resgatar e enaltecer nossa cultura, pois percebemos que ceder ao marketing agressivo da Indústria de Alimentos e à importação de culturas alimentares de outros países contribui para a piora de saúde da população em geral e perda da essência brasileira.

Referências

Monteiro, C.A. et al. Dietary guidelines to nourish humanity and the planet in the twenty-first century. A blueprint from Brazil. Public Health Nutrition, 2015, Vol.18, nº13, p 2311–2322.

SCRINIS, Gyorgy. On the Ideology of Nutritionism. Gastronomica, 2008, Vol.8, nº1, p 39-48.