CPaS-1 – Coletive de Pesquisa em Antropologia, Arte e Saúde Pública

A solidariedade ainda é o melhor remédio

A partir de experiências com o surto do HIV nas décadas passadas, Indianarae Siqueira mostra que, enquanto uma sobrevivente mulher trans e uma poderosa militante no fim-do-mundo, o melhor a fazer é incorporar simbonormativamente a resiliência em nossas vidas, corroborando a ideia do coletivo ser a melhor maneira de conter o novo vírus e seus demônios. Texto de Indianarae Siqueira.

Imagem disponível em <Sobre a Parada do Orgulho LGBT em São Paulo e os bons acasos da vida (maxmilhas.com.br)>. Acesso em 29/11/2021

Adotem medidas de cuidados, mas sem pânico.

Lembrem-se que ajudar uns aos outres é o que nos livrará do pior.

A calma nessas horas é o melhor.

Eu já passei por isso no pico da epidemia do HIV/Aids nos anos de 1980 até final de 1999 pra inicio dos anos 2000. Era adolescente, tinha recém completado 18 anos, e enquanto travestis, transexuais (nem se usava essa palavra no Brasil), gays, lésbicas, bissexuais, intersexuais (LGBTIs) e putes fomos abandonades pela sociedade. Eramos descartáveis e deixades para morrer.

Eu perdi minha irmã heterossexual evangélica, que era casada com um policial militar (também evangélico) e, ainda grávida, descobriu que tinha HIV-Aids, falecendo logo depois. E só passaram a nos ver quando a AIDS começou a matar cis gêneros heterossexuais. Descobriram então que LGBTIs eram “população de risco” (hoje vulnerável) e tratar essa comunidade seria a resposta a epidemia. E assim, médicos, LGBTIS e putes se uniram e fizeram do Brasil referencia pro mundo em prevenção e tratamento pra HIV/AIDS. Perdi muites amigues.

Eu morava em Santos, que por ser o segundo maior porto do mundo e primeiro maior do Brasil era a capital mundial da Aids e se tornou a capital mundial de referência em prevenção e tratamento.Nessas horas temos que nos reinventar. Usar o nosso raciocínio. Teremos mortes por causa da pandemia? Sim. Teremos. Mas temos que passar por mais essa.Vamos nos organizar e encontrar soluções. Eu só aprendi até hoje a ajudar. Pra mim vai ser difícil me isolar socialmente. Mas tenho a experiencia de ter sobrevivido ao HIV/Aids e ultrapassado a expectativa de vida que era 25 anos pra transvestigeneres e dobrei a meta. Deixem quem sabe agir e tem experiência agir nesses momentos. Escutem. Não criem pânico. Sejam responsáveis por vocês e pelo coletivo. E coletivo quer dizer que o Mundo é um coletivo.

O que acontece na Ásia onde o vírus foi detectado (isso não quer dizer que os chineses ou asiáticos são culpados pois pode ter sido trazido do país ocidente pra Ásia) nos afeta aqui.

Na Ásia eles encontraram soluções e praticamente já evitaram o pior. Vamos aprender com eles. E vai passar. E sobretudo não se esqueçam:

A solidariedade ainda é o melhor remédio.

Publicado originalmente dia 19/03/2020.

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