Por nutricionista Tássia Ap. B. Vivian
As Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), como diabetes melito tipo 2 (DM2), hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e dislipidemia têm assumido cada vez mais importância no cenário mundial, sendo consideradas problemas de saúde pública, já que são responsáveis por um aumento significativo da mortalidade. As doenças cardiovasculares são a primeira causa de mortes no mundo, e estima-se que, em 2050, ocorrerão 15,4 milhões de óbitos em decorrência das DCNTs. Hoje, sabe-se que um dos “gatilhos” centrais para o desenvolvimento dessas doenças é o aumento da adiposidade corporal. No Brasil, os índices já se tornaram alarmantes, visto que, de acordo com a pesquisa Vigitel (2014), 52,5% dos brasileiros estão acima do peso, sendo que, destes, 17,9% são obesos.
Atualmente, há fortes indícios da relação entre a composição da flora intestinal e o risco de desenvolver obesidade. O trato gastrintestinal (TGI) humano é povoado por muitos microrganismos, principalmente bactérias. Para se ter uma ideia, temos mais bactérias no intestino do que células no corpo! Há indícios de que estas bactérias exerçam influência na forma como nosso organismo utiliza a energia (calorias) proveniente dos alimentos, além de apresentarem função antibacteriana (proteção contra bactérias patogênicas) e atuarem no sistema imune. Dessa forma, a flora intestinal pode ser um fator envolvido no controle do peso corporal por meio da influência no metabolismo energético.
As pessoas apresentam composições bacterianas distintas no TGI, sendo que as bactérias mais comuns pertencem aos reinos Firmicutes ou Bacteroidetes. Em 2006, estudo realizado por Ley e colaboradores em humanos verificou que indivíduos obesos possuem maior concentração de Firmicutes e menor de Bacteroidetes em relação a indivíduos com peso adequado. O mesmo estudo observou que a perda de peso levou à diminuição da concentração de Firmicutes, tornando-a parecida com a de indivíduos eutróficos. No mesmo ano, um estudo realizado por Turnbaugh e colaboradores com ratos verificou que a microbiota de animais geneticamente obesos tem maior capacidade de armazenar energia.
E o que a Nutrição tem a ver com a microbiota intestinal? Tudo! A dieta é um fator determinante na colonização da flora intestinal, principalmente com relação aos nossos hábitos alimentares de longo prazo. Um experimento realizado em camundongos por Goodman e colaboradores em 2011 mostrou que uma alimentação com alto teor de gorduras e açúcares foi capaz de aumentar o número de bactérias Firmicutes e diminuir o de Bacteroidetes. Por outro lado, uma alimentação rica em fibras e probióticos (presentes, por exemplo, no iogurte e em leites fermentados) favorece o aumento de Bacteroidetes e a diminuição de Firmicutes.
Mas, afinal, por que a maior concentração de bactérias maléficas pode aumentar o risco de o indivíduo desenvolver obesidade e DM2? Existem alguns mecanismos envolvidos nesse processo. Vamos a eles!
Primeiramente, existe um mecanismo que diz respeito ao impacto que a microbiota intestinal pode exercer na regulação do apetite e da saciedade no Sistema Nervoso Central (SNC). De acordo com Moraes e colaboradores, os estudos sugerem que uma microflora saudável resulte em maior produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), os quais estariam associados ao aumento da saciedade e diminuição da ingestão alimentar. Estes efeitos estariam relacionados ao aumento da produção de alguns tipos de peptídeos (GLP-1, GLP-2 e PYY), que podem atuar no hipotálamo ativando mecanismos responsáveis pelo aumento da saciedade e diminuição da ingestão alimentar, melhorando a resposta glicêmica e insulinêmica e diminuindo a inflamação sistêmica, comumente presente em obesos e portadores de DM2.
Isso acontece, porque lipopolissacarídeos (LPS) presentes na superfície de bactérias gram‑negativas (as mais maléficas) podem atravessar a barreira intestinal do hospedeiro (no caso, nós!), desencadeando uma resposta inflamatória e a resistência à insulina. De acordo com Moraes e colaboradores, estudos sugerem que indivíduos que possuem uma alimentação com maior quantidade de gordura possuem maior permeabilidade intestinal, facilitando a entrada dos LPS na circulação, ou seja, o aumento das concentrações sanguíneas de LPS, associado a dietas ricas em gorduras, pode levar à inflamação crônica, que está presente na obesidade e favorece o desenvolvimento de DM2.
Muito se tem estudado sobre a influência de alguns nutrientes da alimentação nos fatores discutidos acima, em especial dos prebióticos e probióticos. Os prebióticos são caracterizados por componentes alimentares não digeríveis que, quando fermentados pelas bactérias intestinais, levam à produção de substâncias capazes de alterar de forma benéfica a composição e/ou atividade da flora intestinal. Alguns desses produtos são os AGCC, dos quais já falamos anteriormente (peptídeos, saciedade, diminuição da ingestão alimentar…)! Já os probióticos são os próprios micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidade suficiente, interferem de forma positiva no equilíbrio da flora intestinal.
Mas onde podemos encontrar prebióticos? Trazendo para a nossa realidade, eles estão presentes em grande quantidade nas verduras, legumes e grãos integrais! Agora você entendeu um dos motivos pelos quais precisa deles, né? Estudo realizado em 2013 por Everard e colaboradores mostrou que camundongos alimentados com prebióticos apresentaram redução das concentrações plasmáticas de LPS. Já os probióticos podem ser encontrados nos iogurtes, leites fermentados e na forma de suplemento (cápsulas ou pó). Um estudo realizado com humanos em 2010 por Kadooka e colaboradores mostrou que a ingestão de probióticos em quantidade adequada levou à diminuição do peso, circunferência da cintura e adiposidade visceral. Em 2011, em estudo também realizado com humanos por Van Baarlen e colaboradores, o consumo de probióticos melhorou a imunidade e funcionalidade de mucosa intestinal.
São necessários mais estudos para explicar com maior clareza e precisão a relação entre os nutrientes da alimentação, a composição da flora intestinal e as consequências na resposta imune e metabólica do nosso organismo. No entanto, os estudos realizados até hoje já afirmam que uma alimentação rica em açúcares e gordura interfere de forma negativa no equilíbrio das bactérias intestinais, na permeabilidade intestinal e nos fatores relacionados ao desenvolvimento de obesidade e diabetes. Por outro lado, uma alimentação rica em fibras e probióticos pode influenciar de forma positiva todos esses fatores, por meio do aumento do número de bactérias benéficas no TGI e consequente diminuição dos fatores de risco responsáveis pelo surgimento de obesidade, DM2 e, consequentemente, demais DCNT.
Referências:
MORAES, A. C. F. et. al. Microbiota intestinal e risco cardiometabólico: mecanismos e modulação dietética. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia. São Paulo, vol.58, n.4. Jun.2014
SPEZIA, G. et. al. Microbiota intestinal e sua relação com a obesidade. Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Envelhecimento. São Paulo, v.3, n.15, p. 260-267. Maio/Jun.2009
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